quinta-feira, 26 de maio de 2011

Adubo pré-colombiano

Antigos índios da Amazônia contribuíram para a fertilidade da terra preta
© EDUARDO GÓES NEVES (ESQUERDA) / CENA/USP (DIREITA)
  Perfil mostra a diferença entre a fértil terra preta (alto) e o latossolo típico e  
  pobre da Amazônia. À direita, imagem de microscopia por fluorescência da
  superfície de carbono pirogênico



Os arqueólogos costumam debater qual o real significado das manchas de terra preta encontradas em sítios pré-históricos da Amazônia Central, um tipo de solo escuro que se destaca visualmente da monotonia marrom-amarelada característica das áreas de terra firme da região. Para alguns, elas são um indicativo de que grupos indígenas pré-colombianos viveram por centenas ou até uns poucos milhares de anos em sociedades complexas e estruturadas, baseadas na agricultura sedentária e no manejo do ambiente, em meio à floresta. Para outros, a existência desse tipo de terreno mais escuro, frequentemente recheado de fragmentos de peças de cerâmica, não é uma prova cabal de que houve ali um processo de ocupação humana antiga e prolongada antes do desembarque do conquistador europeu. Mas sobre uma questão, mais relacionada às ciências agrárias do que às humanidades, há consenso generalizado: a terra preta é um oásis quase permanente de fertilidade numa zona recheada de solos pobres e incapazes de reter nutrientes por muito tempo. Estudo recente confirma que um componente importante dessa variante de solo é um vestígio inequívoco do estabelecimento de assentamentos humanos: as fezes dos índios.

Concentrações de um biomarcador associado à deposição de excrementos humanos no ambiente, o coprostranol (5ß-stanol), foram encontradas em amostras de terra preta oriundas de cinco sítios pré-históricos da Amazônia, de acordo com um artigo científico a ser publicado por uma equipe de pesquisadores do Brasil e da Alemanha na edição de junho da revista Journal of Archaeological Science. Quatro sítios estão localizados no Amazonas, a sudoeste de Manaus, numa faixa de terra firme na confluência entre os rios Negro e Solimões, e um se situa no Pará, a sudoeste de Santarém, no baixo Tapajós. “A rigor, o biomarcador também poderia indicar a presença de fezes de porcos domesticados”, afirma o engenheiro agrônomo Wenceslau Geraldes Teixeira, da Embrapa Solos, do Rio de Janeiro, um dos autores do trabalho. “Mas, como esse animal só foi introduzido na América do Sul depois da chegada dos europeus, descartamos essa possibilidade.” Todos os exemplares de terra preta analisados se formaram entre 500 e 2.500 anos atrás, antes da descoberta oficial do continente por Cristóvão Colombo.

Rica em minerais associados à fertilidade dos solos, a terra preta deve sua cor enegrecida à elevada presença em sua composição do chamado carbono pirogênico, uma forma estável de carvão aromático produzida pela combustão incompleta de biomassa. O modo de vida dos antigos índios da Amazônia – que queimavam os restos de animais consumidos, enterravam os mortos  e depositavam lixo e excrementos nos arredores de suas comunidades – deve ter sido o responsável pela formação desse tipo de solo. “Estamos tentando entender a composição química da terra preta e descobrir qual aporte de material orgânico a mantém fértil até hoje”, afirma o arqueólogo Eduardo Góes Neves, da Universidade de São Paulo (USP), outro autor do estudo e coordenador de um projeto temático da FAPESP sobre a história pré-colonial da Amazônia. “Se tivermos sucesso nesse objetivo, talvez possamos aprender a melhorar a fertilidade em solos pobres e dar uma contribuição para uma agricultura tropical mais sustentável.” Existem tentativas de reproduzir artificialmente as propriedades da terra preta, mas os esforços ainda estão nos trabalhos iniciais.

Alguns especialistas acreditam que compostos presentes nas fezes humanas desempenham um papel importante na manutenção a longo prazo da fecundidade dessa variante do chão amazônico.  Ao contrário dos empobrecidos latossolos típicos da Amazônia, a terra preta sofre pouca lixiviação, processo caracterizado pela perda de nutrientes devido à infiltração da água da chuva que “lava” o solo e lhe rouba os componentes químicos.  “Os excrementos dão uma contribuição significativa para o conteúdo de nutrientes encontrados na terra preta, como nitrogênio e fósforo, e a ajudam a reciclar seus nutrientes”, afirma Bruno Glaser, da Universidade Martinho Lutero de Halle-Wittenberg, Alemanha, estudioso da biogeoquímica de solos e também coautor do artigo. “Nas sociedades modernas isso não ocorre mais, pois esses nutrientes são perdidos com a deposição do lodo de esgoto em reservatórios.” Na terra preta as fezes provavelmente se misturam ao solo devido à ação de minhocas, cupins, formigas e outros organismos.

Embora não costume ser diretamente apontado como um elemento capaz de conferir fertilidade ao solo, o carbono pirogênico parece conter uma conjunto único de fungos e bactérias, cuja sinergia pode estar relacionada à fertilidade da terra preta. Trabalhos feitos pela equipe da engenheira agrônoma Siu Mui Tsai, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da USP, em Piracicaba, mostram que a forma de carvão presente nesse tipo de solo abriga o DNA de até 3 mil espécies de microrganismos. “Essa biodiversidade  é bem maior do que a encontrada em solos amazônicos vizinhos à terra preta”, afirma Siu. “Os índios não usavam produtos tóxicos e seu sistema estava em equilíbrio.” Ninguém sabe, no entanto, se os povos pré-colombianos criaram intencionalmente a terra preta, como  forma de enriquecer o solo destinado à agricultura,  ou se ela é uma mera decorrência acidental dos dejetos e do lixo produzidos por seu modo de vida.



>Artigo científico
BIRK, J.J. et alFaeces deposition on Amazonian Anthrosols as assessed from 5ß -stanols.Journal of Archaeological Science. v. 38 (6). p-1209-20, jun. 2011.

sábado, 26 de março de 2011

XXVI SIMPÓSIO NACIONAL HISTÓRIA - Simpósios e Mini-curso sobre "História Ambiental"


O Simpósio Nacional História deste ano possui em sua programação vários Simpósios e um Mini-curso sobre História Ambiental. Muito interessante!


XXVI SIMPÓSIO NACIONAL HISTÓRIA 
ANPUH: 50 anos
São Paulo, 17 a 22 de julho de 2011.
Universidade de São Paulo (USP)
Cidade Universitária


SIMPÓSIOS:

055. História Ambiental: discussões teóricas e pesquisas empíricas

Coordenadores: JOSÉ AUGUSTO PÁDUA (Pós Doutor(a) - Universidade Federal do Rio de Janeiro), PAULO HENRIQUE MARTINEZ (Pós Doutor(a) - Universidade Estadual Paulista)


079. História, Natureza e Território

Coordenadores: GILMAR ARRUDA (Pós Doutor(a) - Universidade Estadual de Londrina), HARUF SALMEN ESPÍNDOLA (Doutor(a) - UNIVALE)

103. Natureza e cultura nos relatos e imagens sobre a América Colonial: conhecimentos, práticas, instituições e circulação de textos (séc. XVI - XIX)

Coordenadores: GLÁUCIA CRISTIANI MONTORO (Pós Doutor(a) - UFRRJ), MARCIA HELENA ALVIM (Doutor(a) - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC)

130. Visões da História: ciências, natureza e território

Coordenadores: DOMINICHI MIRANDA DE SÁ (Doutor(a) - Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz), MOEMA DE REZENDE VERGARA (Doutor(a) - MAST)

MINI-CURSOS:

027. História Ambiental: documentação e memória

Coordenadores: PAULO HENRIQUE MARTINEZ (Pós Doutor(a) - Universidade Estadual Paulista)


segunda-feira, 26 de abril de 2010

Como a modernidade apartou homem e natureza na metrópole paulistana


HUMANIDADES
| HISTÓRIA
Um progresso animal
Como a modernidade apartou homem e natureza na metrópole paulistana
© REPRODUÇÃO
Um convívio incômodo entre a modernidade do bonde e a antiguidade do boi na capital
Segundo registros, foi em 1685, no Recife, que um mosquito deu uma picada num
incauto cidadão e, assim, teria ocorrido o primeiro caso de dengue no Brasil. Hoje,
mais de 300 anos depois, em pleno século XXI, um simples mosquito ainda
consegue render um país, sinal de que a modernidade brasileira não foi capaz,
como esperavam os crentes do progresso de fins do século XIX e início do século
XX, de “vencer” o “atraso” representado pelos “animais”. Mesmo numa metrópole
avançada como São Paulo. “Naquele período, os animais da cidade passaram por
um processo de ‘recolonização’, parte do processo de passagem de um padrão de
raízes coloniais para outro com elementos de modernidade, em que o homem
redefiniu suas atitudes e relações com os animais, colocando em oposição o
‘couro’, símbolo do animal, e o ‘aço’, o moderno”, analisa Nelson Aprobato Filho
no doutorado O couro e o aço: a “aventura” dos animais pelos “jardins” da
Pauliceia, defendido no Departamento de História da USP, orientado por Nicolau
Sevcenko, com apoio da FAPESP.

“Meu objetivo foi entender os impactos da modernidade sobre os animais da
cidade e demonstrar que a modernidade paulista aconteceu em suas dimensões
(reais, imaginárias ou simbólicas) graças e a partir dos animais e das atitudes,
usos e sensibilidades que o homem passou a adotar sobre eles”, continua. Segundo
o pesquisador, com a revolução científico-tecnológica, os animais passaram a ter
uma importância inesperada, já que, no processo de emergência das grandes
metrópoles, eram para os homens a parte constitutiva de uma “cultura de
referências estáveis e contínuas” que, nota o pesquisador, foram dilapidadas com o progresso. “Foi, logo, sintomática a escolha física e simbólica de animais como
elementos singulares de experimentação, contraponto e confronto para a
justificação ou detração (real ou imaginária) da modernidade paulistana.”
Exemplos não faltam, desde o “Ou São Paulo acaba com a saúva, ou a saúva
acaba com  São Paulo” até a associação, feita por Monteiro Lobato, entre o
quadro social nacional e o carro de boi, visto como símbolo do atraso, da
lentidão, da rusticidade “antiga” e perniciosa. Não sem razão, uma estatística
comparativa, feita em São Paulo, da quantidade de bovinos, equinos, asininos
e muares revela que, se em 1905 eles eram 21.606, em 1920 passam para 38.885
e em 1940 chegam a apenas 5.375. No espaço de duas décadas, mais de 35 mil
animais desapareceram da paisagem da cidade grande e, mais importante,
sumiram da consciência dos cidadãos.

Esse processo de “desapreço” inicia-se já em meados do século XIX. “Basta ver as caricaturas de Ângelo Agostini, em Cabrião ou no Diabo Coxo para perceber como,
na época, os animais, cada vez mais, aparecem associados ao atraso, à pasmaceira,
à imundice. Porém, na realidade sociocultural da época, as maleabilidades do couro
eram ainda mais resistentes do que as consistências do aço. Paulatinamente esse
quadro foi se invertendo”, explica o autor. Então, não era difícil ver 300 carros de
boi (que só irão desaparecer entre os anos 1910 e 1920) circulando entre São Paulo
e Santo Amaro. A cidade também era constantemente atravessada por tropas,
compostas por 40 a 80 animais. “Se ocorresse, por acaso, o encontro de quatro
tropas numa rua paulistana era possível observar-se o trânsito provocado por 320
muares e centenas de insetos e parasitas que acompanhavam as tropas. Delas aos
carros de boi, das carroças às montarias, das boiadas aos urubus, das aves aos
peixes etc., os animais viviam, invadiam ruas, largos e praças. Era impossível não
ter uma convivência intensa com eles”, conta. O contraponto dessas maneiras do
viver cotidiano, em que os animais eram, de forma até certo ponto equilibrada,
agentes e pacientes, manifestou-se nos projetos e mecanismos criados por
elementos ligados ao poder público, às entidades científicas e tecnológicas que
passaram a atuar em São Paulo a partir de fins do século XIX e início do XX.

“Pelo acompanhamento das várias leis e projetos que tinham como alvo os animais percebe-se como o poder público tratou a questão: quais os lugares, funções e
papéis que lhes caberiam na nova cidade; quais os animais ‘eleitos’ para
permanecer no meio urbano; quais confrontos foram estabelecidos entre eles e o
progresso.” O pesquisador lembra que, ao mesmo tempo, surgia a tendência de
considerar o engenheiro como o profissional mais capacitado para gerir os destinos
de uma cidade. “Eles passam a olhar com certa cobiça as administrações
municipais que subordinavam seus habitantes e animais aos mecanismos da
engenharia moderna. Entre o couro e o aço ia brotando uma nova e excludente mentalidade tecnológica. Na trilha das mulas, que para eles eram sinônimo de
ruralismo e passado colonial, os engenheiros paulistas tentavam alicerçar seus
ideais de civilização numa ‘cruzada’ pela modernidade”, observa. Até “vítimas”
inesperadas, como os cães, viram alvo de campanhas de repressão por meio de
leis regulatórias que incluíam gastos da prefeitura com “bolas de alimento com
veneno dentro”, dado aos caninos soltos na rua, bem como taxas e obrigatoriedade
do uso de coleiras (“os cães devem estar açaimados e coleira numerada que indique
ter pago o imposto municipal”, dizia a Lei nº 68 do Código de Posturas de 1886).
Havia discussões acaloradas sobre o que era ou não um “cão de raça” e, portanto,
sujeito a privilégios. “Para construir uma cidade moderna era preciso criar
mecanismos para corrigir os que denotassem tendência à ‘vagabundagem’, de
homens ou cães.”


© REPRODUÇÃO
Visões do descompasso animal em São Paulo, na visão de Agostini

Formigueiro - Não apenas os vira-latas ganharam denotação metafísica. “A
guerra contra a saúva mobilizou a cidade em todos os níveis, seja na destruição
física dos formigueiros, seja pela simbologia. Lobato foi um dos escritores paulistas
que mais utilizaram o inseto como símbolo do arcaísmo e ruralismo,
acompanhando-o, em suas reflexões, por décadas. Em suas teses cáusticas,
escritas em 1908, por exemplo, as formigas representavam a antítese do progresso,
a demonstração cabal do atraso em que estavam mergulhadas cidades e
populações pobres.” Vinte anos mais tarde, Mário de Andrade falaria delas, num
registro mais irônico, em Macunaíma. “Inda tanto nos sobra, por este grandioso
país, de doenças e insetos por cuidar. Estamos corroídos pelo morbo e pelos
miriápodes. Em breve seremos uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte.
Por isso e para lembrança dos paulistas, a única gente útil do país, propomos um
dístico: ‘Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são’.” O historiador
Nicolau Sevcenko, em seu artigo “O Brasil e as saúvas”, faz um curiosa síntese
do uso metafórico do “inseto que incomodava”, pelas várias elites dirigentes, em
diferentes épocas históricas, sempre que se tentava “eliminar saúvas”, fossem
quem elas fossem: a elite agrária do século XX e o Jeca Tatu; Vargas e a
campanha contra o malandro; os militares e a repressão.

Os animais, porém, podiam ser um hábito arraigado de difícil contenção. “Ao
observar as várias leis, por exemplo, vê-se a ineficácia das medidas
governamentais para tentar coibir o tráfico dos carros de boi pelo centro da
capital. Percebe-se, em especial após 1900, a insistência do poder público por
afastar esses elementos das ‘áreas nobres’ e a resistência dos carreiros em
abandonar uma prática de deslocamento que tinha tudo a ver com formas
populares de sobrevivência. Essas figuras e seus animais iam se tornando
visões indesejáveis e dissonantes para a nova metrópole.” Ao mesmo tempo,
o couro e o aço, em face da tecnologia incipiente, eram obrigados a conviver,
como no caso dos bondes puxados a tração animal. “Utilizados até então em
tropas de mulas ou carroças, houve um estranhamento tanto da população,
desacostumada desse gênero de condução, como dos animais, uma vez que o
peso dos bondes era bem maior do que o que estavam acostumados.” Ou, nas
palavras de uma testemunha ocular: “Os grupos pulavam e desciam dos
bondinhos e se postavam à frente dos pobre muares, que, sob o ardor dos chicotes,
faziam o impossível para arrastar os carros que se achavam com seu peso além
da conta”. Havia quem reclamasse do novo serviço por se ver, subitamente,
morando ao lado das cocheiras. “Não existirá meio de acabar com tão incômoda assembleia?”, reclamava às autoridades um morador do Rosário.

O progresso logo traria o sossego ao incomodado. A partir de 1901, o monopólio
dos transportes urbanos passa a ser controlado pela companhia canadense Light & Power, que iniciou a retirada dos bondes tracionados por animais das ruas
centrais de São Paulo. O último deles foi retirado em 1910. Do entusiasmo inicial
pelo novo transporte, a cidade agora se envergonhava de ter que andar com
bonde movido a muares. “Houve a Revolução de Santana, organizada por
moradores do bairro que, descontentes por pertencer a um dos únicos bairros da
cidade que ainda eram servidos por bondes puxados por animais, resolveram
usar a força para intimidar o poder público e a Light & Power. Soltaram
os burros e colocaram fogo nos bondes”, conta Aprobato. Ao mesmo tempo,
os bondes elétricos mexeram não apenas com o ego dos paulistas. “Para uma
população acostumada a deslocamentos que tinham como parâmetro a
velocidade desenvolvida por bois, mulas e cavalos, a adaptação integral ao
novo veículo foi pautada por receios e medos constantes.” O zoólogo Afonso
Schmidt descreveu como os “espíritos conservadores, habituados às doçuras
dos bondinhos, puxados por uma parelha de líricos muares, não viam com bons
olhos a sua substituição por amplos, limpos e rápidos veículos movimentados a
força elétrica. Manhosamente alegaram um sagrado horror aos desastres”. Foi
necessário que as empresas contratassem os “técnicos em acidentes”, pessoas que
se deixavam atropelar pelo bonde a uma velocidade de oito pontos para
demonstrar a eficácia dos limpa-trilhos.


Ritmos - “Os bondes elétricos, mais profundamente que os anteriores, de tração
animal, por suas singularidades tecnológicas e impacto perceptivo-sensorial, foram
um dos principais veículos da transformação comportamental urbana e
sociocultural ocorrida em São Paulo no início do século XX”, observa o
pesquisador. Eles, continua, “despertavam os moradores da cidade para novos
ritmos que, dali em diante, eram obrigados acompanhar”. Mas não era o bastante.
José Agudo, em Gente rica – Scenas da vida paulistana, revela os novos desejos 
por meio do personagem do Dr. Zezinho, “apurado no vestir e frequentador de 
cassinos e pensões que não têm hora de fechar”. Para ele, era um inferno chegar 
em casa “depois das duas da madrugada e não dormir, porque principiou o 
barulho de bondes e carroças”. Afinal, os automóveis estavam chegando e em 
breve “qualquer pé-rapado há de ter o seu”. “Também deixam atrás de si um 
fétido horrível de gasolina, mas é chic andar-se de automóvel. Oh! Um 40 HP 
é soberbo. Depois, quem anda dentro dele não fica sujo de poeira nem sente o 
mau cheiro da rabeira. Os que foram à pata que se arranjem, ora essa é muito 
boa!”, filosofava o playboy paulistano, para quem a prefeitura deveria “calçar as 
ruas de borracha”.

Dr. Zezinho tinha ainda outras filosofias. “Os bondes vieram tornar mais suave o
trabalho dos burros. Já se pode ser burro em São Paulo, pois até há bebedouros
para eles nas praças públicas. Ali mesmo no Largo São Francisco há um. Que
sábia providência. Quanto burro antes não sofria sede. Se os burros falassem, é
possível que um deles que por aqui viesse de passeio, parodiando a celebrina
Sarah Bernhardt, exclamasse: ‘São Paulo é o paraíso dos burros!’.”  Couro e aço
iniciam um estranhamento cujas consequências finais ainda estamos sentindo.

sábado, 10 de abril de 2010

O Programa de Investigação da Ecologia Histórica

Balée, W. 2006. The Research Program of Historical Ecology. Annual Review of Anthropology 35: 75-98.


Palavras-chave: Postulados do núcleo duro, transformação da paisagem, contingência histórica,perturbação mediada por humanos, variedades de espécies e invasões biológicas.

Introdução

Ecologia Histórica é um novo programa de pesquisa interdisciplinar preocupado com a compreensão das dimensões temporais e espaciais nas relações das sociedades locais e o meio-ambiente e os efeitos globais acumulados desse relacionamento. É um programa de investigação preocupado com as interações através do tempo entre as sociedades humanas e o meio ambiente e as conseqüências destas interações para a compreensão da formação contemporânea e culturas do passado e as paisagens.

Ecólogos Históricos tem uma visão de longo prazo de História e Paisagem e portanto tendem a ser menos variantes com programas anteriores de investigação da antropologia ambiental.

Ecologia Histórica exemplifica uma revisão dos primeiros conceitos reinante na cultura ecológica, evolucionista, cultura materialista e da teoria dos ecossistemas. É uma interdisciplinaridade, são meios de lidar com aplicações de ambas as ciências, social e a ciência da vida. A mais importante é a restauração ecológica, um sinônimo aplicado da ecologia histórica.

Um Segundo Mundo

Na ecologia histórica a paisagem é um lugar de interação com uma dimensão temporal que é histórica e cultural, como é evolutiva por si mesma e não mais sobre os eventos passados foram inscritos, às vezes,   sutilmente sobre a terra. Ecólogo Histórico registra simples forrageadores e horticultores de coivara como agentes históricos que manifestam passados culturais que desafiam a colocação em um estágio de evolução política. A Ecologia Histórica contestou a noção primitiva e florestas virgens, mas através de diferentes vertentes do pensamento convergente, em análise interdisciplinar em antropologia, geografia, história e ecologia. Essa noção de paisagem na sua versão mais recente tem origem na geografia cultural e histórica. Geógrafos muito cedo derivam a idéia de uma indissociabilidade dos seres humanos e o meio ambiente no contexto da paisagem.

O pensamento de que os humanos estão em toda parte como agentes históricos (para além de sua consciência de ser assim) de mudança na paisagem, tornando-o histórico, quer pela agricultura ou alguma interferência reconhecidamente em outros seres humanos, data da antiguidade clássica. Heródoto propôs que eventos históricos desdobram-se em um lugar físico e que as características do lugar, por sua vez, a mudança através do tempo, ou seja, a cultura e o ambiente estão interligados em um sentido e mudam juntos através dos tempos. Cícero escreveu sobre como humanos, através da domesticação, adubação, irrigação, influenciou a criação de uma segunda natureza.

Em Ecologia Histórica, o conceito de transformação da paisagem, resultando no clamado, homem floresta, foi derivado inicialmente de povos da agricultura agro-florestais. Os mais recentes trabalhos sugerem forragi e sociedades que caminham, também influenciaram a composição da floresta, através de atividades como o plantio de propágulos.

Outros Ecólogos, outras histórias

A distinção entre a ecologia histórica e outros pontos de vista ecológicos tem a ver com o antropocentrismo de uma forma ou de outra. Ecologia histórica difere da ecologia cultural, principalmente, o critério da ação humana, bem como na adaptação ao ambiente.

Ecologia Cultural defende que o ambiente não é transformável. Pelo contrário, os seres humanos é que devem adaptar as suas culturas, tecnologias e as suas populações a ela. Ecologia cultural envolve uma matriz de três concepções do tempo humano, emprestados dos (Annales), são as seguintes: (a) evento, como prazo curto, o fenômeno episódico, (b) ciclo, envolvendo repetitivos padrões estatísticos, mais de uma década, um quarto de século, (c) longa duração, modelos empíricos de história e arqueologia que ocorrem ao longo dos séculos.

A História Ambiental é um assunto bem definido interdisciplinarmente, mas não é uma perspectiva que articula postulado duro, tais como ecologia histórica faz. Neste sentido a ecologia histórica não é uma parte da história ambiental, nem é paralela a ela como uma forma separada do pensamento. História ambiental abrange o seguinte: a história comparada das atividades humanas, amplamente separados ambientes estruturalmente semelhantes, mas com condições politicamente semelhantes e história vista como resultado de comportamentos convergentes, a histórias dos movimentos verdes e a relação destas com a política governamental, a história das ciências ambientais e florestas e da historiografia de escrever a historia ambiental.

Ecologia histórica é diferente, e fundamentalmente, está em desacordo com a teoria dos sistemas ecológicos por uma lógica semelhante do comportamento sensitivo, os seres sapientes com capacidades culturais e não apenas para transformar espécies de ambientes ricos em estéreis de baixa diversidade e homogeneidade da paisagem, que claramente os homens podem fazer e tem feito.

Contingência Histórica e sucessão ecológica.

Ecossistemas sofrem históricas alterações em suas características fundamentais semelhantes a suítes ou guildas de espécie de plantas e animais ao longo do tempo. Há ambientes como os continentais que são mais estáveis e das ilhas que possuem um ecossistema instável propenso a invasões e extinções. Invasão de espécie é um tipo de distúrbio tradicional, de fato, podem ser bióticos ou abióticos. Ele também pode ser cultural e histórico. Quando eles são naturais e comprovadamente não relacionados ao aquecimento global, para a mal concebida construção de barragens e diques, e outros erros humanos.

Ecologia Histórica não trata da síntese do homem, mas centra-se sobre o resultado de sua interação cíclica. Ecólogos Históricos reconhecem que cada passagem deve ser entendida em termos de suas influências, específicas culturas e históricas sucessões sem preconceito em direção a natureza humana. Há dois tipos básicos de sucessão: primária e secundária. Sucessão primária refere-se à colonização inicial de um substrato que não teve nenhuma vida antes, como a sucessão de organismos recém-formada em atóis vulcânicos ou emergentes nas ilhas deltaicos nas barras de ponta de rios sinuosos. Sucessão secundária refere-se à substituição de organismos por outros (como o K selecionado por R microorganismos selecionados), sobre um substrato que tem sido perturbado, como é o caso das bem drenadas terras florestais quando sujeitas a furacões e tornados.

Distúrbios intermediários não conota a intensificação, industrialização, globalização que pode resultar em diminuição da diversidade de espécies por unidade de área.

Há três tipos de diversidades de espécies: diversidade alfa,que é o número de espécies em um local restrito com parâmetros ambientais constantes (tais como drenagem e tipo de solo: diversidade beta, que é a diversidade ao longo de um gradiente ambiental, como a inclinação ou precipitação envolvendo a distância entre as parcelas adjacentes anteriormente apontadas pela diversidade alfa; e a diversidade gama, que é a diversidade de uma região inteira como a Bacia Amazônica.

Impactos humanos diretos podem ser qualitativamente atribuído a uma escala sensível ao tempo e lugar pelo indicativo de perturbação. Ex: forrageamento na pré-história do Ártico, puna nos Andes e a agricultura industrial avançada e globalizada, onde as assinaturas pré-históricas são apagadas como resultado da substituição completa dos grupos de espécies e a intensidade de uso da terra influenciado pela demanda mundial sobre o trabalho agrícola e de commodities.

Transformações primárias e secundárias na paisagem Amazônica

A transformação da paisagem primária nas Bacias Amazônicas Central e Baixa envolveu a construção de túmulos, bem como alterações nos cursos dos rios para facilitar o transporte, com aparentemente insignificantes efeitos sobre a diversidade de espécies. Os efeitos sobre a diversidade alfa e beta são desconhecidos da manipulação pré-histórica do solo e drenagem no Alto Xingu (Baixo Amazonas) por cerca de 1000 dC, bem como em outras áreas da Amazônia de terra negra (solos modificados pelo homem com adição de matéria orgânica).

O habitat dos índios Sirionó da Amazônia boliviana inclui uma paisagem heterogênea de florestas bem drenadas em montes relictuais, florestas ligeiramente inundadas na base de tais montes (chamadas de floresta pampa), e savanas sazonalmente inundadas e mal drenadas, que correspondem aproximadamente dois terços da paisagem. A transformação da paisagem primária que acumulou no Complexo Ibibate (os montes (túmulos) e floresta do pampa adjacente) seria, em termos ecológicos, uma sucessão primária, embora esse termo mais comumente exclui antropogênese da paisagem. A transformação envolveu uma substituição de espécies, tendo uma diversidade alfa de várias ordens de grandeza superior à savana.

Ecologia florestal, portanto, nesses casos de sucessão primária sem causas naturais, é na verdade um artefato da cultura e da sociedade. Talvez, para representar melhor e distinguir o impacto das perturbações mediadas pelo homem daqueles ambientes, dado que é escalar e temporal, deve-se, portanto, referir-se a transformação da paisagem primária e secundária quando se discute a mudança biótica e ambiental em uma escala humana de tempo.

Espécies invasoras e paisagens históricas

As invasões biológicas, por vezes, referem-se apenas a espécies invasoras que substituem outras de espécies estruturalmente semelhantes no novo ambiente, mas o termo aqui se refere a ambas as espécies invasoras no sentido convencional e de doenças invasoras incluindo bactérias, protozoários, vírus e infecções príon, que assumem características de epidemia em relação ao anteriormente exposta flora e fauna nativas, incluindo os seres humanos.

A integração da ecologia da paisagem e da epidemiologia é análogo ao reconhecimento em ecologia histórica que a atividade humana tem sido associada com uma variedade de novos agentes patogênicos e sua distribuição e que organizações políticas das sociedades humanas espelham sua suscetibilidade a doenças epidêmicas, bem como seu potencial de gerar invasões biológicas em ambientes novos. As invasões biológicas que envolvem a transferência e disseminação de espécies invasoras de um ponto para outro têm sido denominadas de sucessão em ação. As espécies invasoras são espécies introduzidas de plantas e animais que se tornaram espécies dominantes da flora e fauna. O sucesso das espécies invasoras, como ervas daninhas, depende de fatores bióticos e históricos, isoladamente ou em combinação, específicos em cada caso. As espécies invasoras podem não ter inimigos naturais no local de entrada (como acontece com as árvores da borracha brasileira, na Malásia), uma visão inicialmente proposta por Darwin. Propágulos de muitas espécies invasoras estão localizados perto de rotas de navegação em seus pontos de origem, em seus lugares iniciais de dispersão, e, portanto, são facilmente transportados muitas vezes como lastro. As espécies invasoras são freqüentemente transportados para novos destinos acidentalmente como no lastro de navios, por exemplo, com as marés vermelhas (Dino flagelados tóxico). As invasões biológicas desde o surgimento dos humanos modernos costumam ter ocorrido com a ação histórica, estes são chamados invasões mediadas por humanos. As invasões biológicas têm causado reduções e extirpações de numerosas espécies, inclusive através de mecanismos de exclusão competitiva direta. No caso de patógenos introduzidos, seu sucesso é apenas mitigado pela medida em que uma população de acolhimento sobrevive e pode ser um reservatório para transmissão endêmica futura.

A barreira da espécie entre os humanos e outros animais é efetivamente discriminada por doenças que são antropozoonóticas (o humano vetor, infectando outros animais), como a tuberculose, sarampo e vírus da herpes humano, e pelo habitat [um exemplo extremo de fragmentação do habitat, que em um sentido geral, nem sempre causa redução na diversidade de espécies ]sendo responsável por mudanças nas relações entre patógenos e hospedeiros, como acontece com a doença de desperdício crônica de cervos, veados de cauda branca. Alguns agentes desenvolvidos em animais domésticos saltaram barreiras de espécies diversas vezes. Tuberculose bovina (de gado doméstico) infectou o bisão selvagem no Canadá, veados, em Michigan, búfalos, leões, leopardos, chitas, kudus e babuínos na África do Sul. Gripe aviária (H5N1 de tipo A do vírus da gripe), que tem potencial para se tornar uma pandemia, é notável pela alta morbidade, bem como ter o potencial de vários vetores: aves selvagens, gatos domésticos, grandes gatos, galinhas, porcos e seres humanos, todos humanos que têm distribuições e interações mediadas por humanos. Scrapie (doença de príon) em ovinos saltou a barreira das espécies e se tornou a doença da vaca louca no gado, uma linhagem que parece ter cruzado a barreira das espécies para os humanos como variante de Creutzfeldt-Jakob. A Ecologia da Doença na medida em que liga os seres humanos e outra biota, afetando a distribuição na paisagem de ambos, torna-se mais plenamente compreensível dentro da temporalidade da ecologia histórica.

Discussão e Conclusões

Com base na noção de que as espécies nativas são mais desejáveis do que as exóticas, não só para a estética, mas por razões relacionadas com a conservaçãoda diversidade biótica, os esforços de restauração da ecologia tendem a se concentrar na eliminação e erradicação de espécies invasoras. Estes esforços têm tido resultados mistos. Restauração ecológica (Ecologia Historica Aplicada), essencialmente, requer o conhecimento das condições de referência de um estado passado da paisagem para atingir autenticidade.

A Ecologia Histórica pode fornecer condições de referência necessária para a autenticidade da reconstrução da paisagem. As fontes variam e são derivados da pesquisa em paleoecologia, etno-história, história e arqueologia da etnografia e etnobiologia; do trabalho de inventário biológico e da investigação sobre os símbolos e a linguagem.

A Ecologia Histórica é interdisciplinar, e em uma de suas disciplinas, a antropologia, é claramente inter-sub-disciplinar. Ecologia Histórico Aplicada pode tornar-se o compromisso holístico do conhecimento a partir de diversas disciplinas para o benefício das sociedades humanas e das biota e paisagens selecionados. É derivado de diversas áreas com o objetivo de determinar as condições de referência das paisagens do passado com o maior grau de autenticidade para o período escolhido para a restauração.

A persistência do problema, em termos de aplicações da ecologia histórica, diz respeito a questões políticas como a que será privilegiada na determinação da profundidade de tempo desejado e do estado associado do conhecimento histórico sobre as paisagens a serem restauradas.

Mário Nascimento
Graduando do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC)

sábado, 27 de março de 2010

Revistas científicas interessantes: "Environmental and Society" e "Ecology and Society"

Duas revistas científicas parecem ser interessantes para aqueles da área de história ambiental: "Environmental and Society" e "Ecology and Society".



Environment and Society

Advances in Research

Aims & Scope

Published in association with the Earth Institute, Columbia University.
The field of research on environment and society is growing rapidly and becoming of ever-greater importance not only in academia but also in policy circles and for the public at large. Climate change, the water crisis, deforestation, biodiversity loss, the looming energy crisis, nascent resource wars, environmental refugees, and environmental justice are just some of the many compelling challenges facing society today and in the future.
As a forum to address these issues, we are delighted to present an important new peer-reviewed annual: Environment and Society: Advances in Research. Through this journal we hope to stimulate advanced research and action on these and other critical issues and encourage international communication and exchange among all relevant disciplines.
Published in association with the Earth Institute of Columbia University, Environment and Society will publish critical reviews of the latest research literature including subjects of theoretical, methodological, substantive, and applied significance. Articles will also survey the literature regionally and thematically and reflect the work of anthropologists, geographers, environmental scientists, and human ecologists from all parts of the world in order to internationalize the conversations within environmental anthropology, environmental geography, and other environmentally oriented social sciences. The publication will appeal to academic, research and policy-making audiences.
Subjects: Environmental Studies, Anthropology, Geography, Ecology.


ECOLOGY AND SOCIETY




Focus and Scope
Ecology and Society is an electronic, peer-reviewed, multi-disciplinary journal devoted to the rapid dissemination of current research. Manuscript submission, peer review, and publication are all handled on the Internet. Software developed for the journal automates all clerical steps during peer review, facilitates a double-blind peer review process, and allows authors and editors to follow the progress of peer review on the Internet. As articles are accepted, they are published in an "Issue in Progress." At six month intervals the Issue-in-Progress is declared a New Issue, and subscribers receive the Table of Contents of the issue via email. Our turn-around time (submission to publication) averages around 250 days.

We encourage publication of special features. Special features are comprised of a set of manuscripts that address a single theme, and include an introductory and summary manuscript. The individual contributions are published in regular issues, and the special feature manuscripts are linked through a table of contents and announced on the journal's main page.

The journal seeks papers that are novel, integrative and written in a way that is accessible to a wide audience that includes an array of disciplines from the natural sciences, social sciences, and the humanities concerned with the relationship between society and the life-supporting ecosystems on which human wellbeing ultimately depends.

Content of the journal ranges from the applied to the theoretical. In general, papers should cover topics relating to the ecological, political, and social foundations for sustainable social-ecological systems. Specifically, the journal publishes articles that present research findings on the following issues: (a) the management, stewardship and sustainable use of ecological systems, resources and biological diversity at all levels, (b) the role natural systems play in social and political systems and conversely, the effect of social, economic and political institutions on ecological systems and services, and (c) the means by which we can develop and sustain desired ecological, social and political states.

In a recent editorial, Editors-in-Chief Carl Folke and Lance Gunderson summarize their vision for Ecology and Society:

We view humanity and nature as co-evolving systems that interact within the bounds of the biosphere at various temporal and spatial scales and across scales. We hope to create a rigorous scientific forum where we can discuss issues related to the linked and dynamic systems of humans and nature and generate an improved understanding of essential interactions that will enhance our capacity to actively adapt to change without eroding resilience or creating vulnerability. (Conservation Ecology Volume 6, issue 1, article 19)

We also encourage papers that make use of the unique opportunities of an e-journal: color illustrations, animated model output, down-loadable models and data sets, use of the "Response" option for interactive discussion, and other novel inventions to encourage reader interaction.

terça-feira, 23 de março de 2010

De Santos a Jundiaí: a primeira ferrovia paulista

Publicado pela Profa. Dra. Silvia Helena Passarelli na Revista Eletrônica História e-História.

É inegável a importância da estrada de ferro Santos a Jundiaí , para o desenvolvimento de todo o Estado de São Paulo. Construída por uma empresa inglesa entre os anos de 1860 a 1867 e duplicada entre os anos de 1896 e 1901, foi a primeira via férrea paulista e realizou o grande feito de retirar o planalto paulista do isolamento ao vencer o desnível da Serra do Mar, inserindo, definitivamente, a província na modernidade.

Fatos Históricos
A principio existiam pequenos povoados isolados à beira dos caminhos, entre o planalto e a Serra do Mar. Paradas estratégicas para o descanso de tropas. Sítios e chácaras abasteciam a cidade e seus viajantes. Muitas vezes, os caminhos que ligavam o planalto ao local eram percorridos por tropas de muares ou mesmo a pé. Na região do ABC, por exemplo, conhecida no período colonial como” Borda do Campo” ,existiam apenas pequenos povoados ao longo de estradas. Havia a dificuldade física, uma barreira natural que tornava o acesso ao porto de Santos difícil. A implantação da primeira ferrovia em solo paulista.

Na segunda metade do século XIX, foi o impulso necessário para a alteração da paisagem do planalto. Com o início do Império, havia a necessidade de escoamento de mercadorias ao porto(Santos), e a integração nacional passou a ser prioridade. Poucos anos depois da primeira locomotiva percorrer o trecho, entre o centro fabril de Manchester a Liverpool na Inglaterra, o governo Imperial buscou um mecanismo para atrair investidores para a construção de estradas de ferro. São Paulo foi escolhida, e o trecho a ser percorrido partia de Santos, passando por São Paulo, e atingindo as vilas de São Carlos (Campinas), Constituição (Piracicaba) , Itu ou Porto Feliz, no interesse de atingir o cinturão de cultivo da cana de açúcar no interior paulista. Mas no ano de 1856, o Decreto Imperial número 1759, autorizou a incorporação de uma companhia fora do país para a construção e custeamento de uma estrada de ferro que partindo de Santos fosse até Jundiaí. O projeto da estrada de ferro, assinado por James Brurless, aponta, à exceção das proximidades de São Paulo e Santos, ausência de ocupação urbana ao longo do traçado original, que reduziria o gasto com desapropriações de terras. Mas, o mesmo cuidado não aconteceu com os ecossistemas que seriam afetados com a construção da estrada de ferro.

O projeto inicial da via férrea previu a instalação de estações intermediárias, que seriam estratégicas para a operação do sistema férreo no sentido de possibilitar o abastecimento das locomotivas com água e carvão. São elas: Cubatão, São Bernardo do Campo, Rio Grande da Serra, Água Branca e Estação Bethlem. Para as estações terminais Santos e Jundiaí, estava prevista a instalação de armazéns de mercadorias e para a estação de São Paulo, alem de armazéns, teriam as oficinas que passaria a fazer a manutenção das locomotivas e vagões.

Fase de Construção da Ferrovia
Além das dificuldades para superar a alta declividade da serra, as obras sofreram atrasos devido às fortes chuvas de verão, que provocaram constantes deslizamentos em todo trecho de Serra do Mar. Vale destacar a qualidade do projeto da via férrea que percorreu terrenos mais secos da várzea de rios e córregos, evitando as cheias do verão. Seu traçado, por exemplo, se afasta de várzea do Carmo (na região do atual parque D. Pedro I, em São Paulo) e da foz do córrego dos Meninos ( na altura do atual município de São Caetano do Sul), área que apresentava constante alagamentos de suas margens, não tendo sido verificadas interrupções de tráfego por enchentes nos relatos ministeriais referentes a obras públicas. Apesar da qualidade do projeto, por vezes as obras foram realizadas com qualidade inadequada, particularmente quando se tratava de galpões para oficinas ou estações intermediárias. Há referência de estações construídas em taipa nos registros dos engenheiros fiscais do Ministério de Agricultura e Obras Públicas. Registros fotográficos realizados por Militão Augusto de Azevedo , por volta de 1865, apresentam a precariedade de muitas edificações, particularmente as de uso habitacional nos canteiros de obras.

A primeira fase de operação da via férrea
A ferrovia foi entregue em 1868, “depois de verificar-se que a companhia havia construído todas as obras e satisfeito todas as obrigações que contraiu pelo acordo de 4 de dezembro de 1866” (Relatório apresentado à Assembléia /.../, 1869, p45) . Havia uma queda de braço entre o governo imperial brasileiro e a Companhia São Paulo Railway, que solicitava a revisão de novos investimentos na via férrea, apesar das exigências estabelecidas pelos engenheiros fiscais designados pelo Governo Imperial. Feito o acordo com a Companhia, foi acertado a construção de novas estações, entre elas, São Caetano e Barra Funda. Como a cidade de São Paulo apresentava um crescimento acelerado junto às linhas férreas. No ano de 1893, o intendente municipal relatava o surgimento de novos bairros entre eles Bom Retiro, Barra Funda, Cine-Theatro e Pari. Com esse crescimento da cidade de São Paulo, houve a necessidade da criação de novas linhas para “trens de subúrbios até a distância de 15 km da cidade”.

No final do século XIX, a expansão da rede ferroviária no estado de São Paulo atingia as regiões de Sorocaba, Itu, Campinas e Vale do Paraíba, fortalecendo o desenvolvimento da fronteira agrícola do Estado, e por conseqüência o aumento da demanda por transporte de produtos agrícolas para o porto de Santos.
A estrada de Ferro de São Paulo(São Paulo Railway) constituía um funil receptor de toda a produção do interior paulista e uma porta única de entrada das mercadorias importadas da Europa. Neste momento as cidades se transformavam e máquinas, materiais de construção e novos hábitos da vida urbana eram trazidas da Europa para as famílias mais abastadas.

Tudo isso gerou uma crise do sistema ferroviário paulista, pois a ferrovia Santos - Jundiaí não atendia à demanda crescente de transporte de mercadoria. “Tornou-se patente a falta de capacidade da linha inglesa (Santos – Jundiaí), sobretudo no trecho da serra em que se acham estabelecidos os planos inclinados. Afim de debelar de uma vez por todas essa crise, que é natural de ano para ano, se agravou em conseqüência do fenomenal desenvolvimento de São Paulo e do Sul e Oeste de Minas Gerais, foram labrados os decretos números. 436f, 997 e 983, de junho de 1891, 5 e 8 de agosto de 1882, concedendo o prolongamento da EF Sorocabana, de S. João a Santos e da Paulista ao porto de S. Sebastião, com ramal em Santos”(Relatório apresentado ao vice- Presidente/.../,1892,Anexo, 2ª parte, p.29).

A duplicação da via férrea
Embora o Decreto Federal 1999 de 1895, determinasse a adoção de um sistema ordinário de simples aderência para o trecho de serra, estudos desenvolvidos pelo Engenheiro James Madeley (1896), da São Paulo Railway, propuseram a instalação de um novo sistema funicular na serra, por ser a solução econômica mais viável, que foi aprovado pelo Governo Federal em setembro de 1896. As obras de duplicação da ferrovia foram terminadas em 1901, possibilitando a melhoria do transporte ferroviário, tanto para a importação e exportação de mercadorias, como para o transporte de passageiros de curta distância ou de subúrbio.

A encampação da linha e a degradação do sistema férreo
Os motivos para encampação: a lentidão da companhia inglesa em modernizar sua linha com adoção da eletricidade domo força motriz, que desde a década de 1920 era utilizado por outras companhias, e o fim do prazo de privilégios, fez com que o Governo Federal encampasse a estrada de ferro Santos - Jundiaí.
Iniciou-se, então, um novo período da história da primeira ferrovia paulista. Período que se marcou não apenas por uma nova administração da estrada, mas também pela competição direta com o transporte rodoviário, que teve sua rede expandida para todos os lados, inclusive com abertura de rodovias modernas paralelas às vias férreas, como as rodovias Dutra, Anhanguera e Anchieta, implantadas no fim dos anos 1940, início dos 50, servindo a mesma área da Central do Brasil, Companhia Paulista e Santos - Jundiaí, respectivamente. Entre elas, a Via Anchieta foi responsável pelo fim do monopólio da estrada de ferro na ligação com o porto e, ao mesmo tempo, pelo fortalecimento da implantação de indústrias, em geral montadoras de automóveis, fora do eixo atendido pela estrada de ferro.

O investimento em infra-estrutura e a manutenção do material fixo eram exclusivos do Estado, no caso da implantação da malha rodoviária. Enquanto os empresários arcavam com os custos de implantação, operação e manutenção de todo o sistema ferroviário. A nova administração da Estrada de Ferro Santos - Jundiaí procurou se adequar aos novos tempos, investindo na melhoria do atendimento e na modernização do sistema: em 1947, adaptou as antigas locomotivas a vapor para o uso de óleo diesel, substituindo o uso do carvão e da lenha e, em 1948, iniciou a construção de um oleoduto entre Alemoa (Santos) e Utinga (em São Caetano do Sul). A eletrificação da linha ocorreu logo após a Segunda Guerra, ainda sob administração dos ingleses: em 1944, foi aprovado o plano de eletrificação da linha apresentado pela São Paulo Railway Co. (Decreto Federal nº 7.221, de 30 de dezembro de 1944), sendo autorizada a eletrificação do trecho entre Jundiaí e Mooca em julho de 1946, de modo a dar continuidade ao trecho da Companhia Paulista que já se utilizava da eletricidade. Essa melhoria tecnológica veio a melhorar a oferta de transporte suburbano, especialmente, entre as estações de Santo André e Pirituba.

A crise final
No ano de 1957 a administração do sistema ferroviário nacional foi unificada em uma única empresa a Rede Ferroviária Federal S/A. No entanto, esta unificação não trouxe benefícios diretos à Santos – Jundiaí, ao contrário, reduziu os recursos para melhoramentos da estrada uma vez que todas as estradas de ferro da União passaram a ser administradas por uma única empresa de capital misto, subordinada ao Ministério dos Transportes. O transporte ferroviário passou a ser administrado, então, com grandes déficits e dificuldades em investir em melhoramentos tecnológicos. Sem investimentos em modernização e correndo atrás do prejuízo no que se refere ao atendimento da demanda, a ferrovia foi perdendo mais espaço para as rodovias, os trens perderam espaço para os caminhões, ônibus e automóveis e, mais recentemente, para o Metrô.
Ao mesmo tempo, interessava à política econômica nacional e também internacional o estimulo ao desenvolvimento do transporte rodoviário.

Inúmeras foram as tentativas de soerguimento da empresa ferroviária a partir dos anos de 1960 com a erradicação de ramais anti-econômicos (Decreto Federal nº 58.341, de 3 de maio de 1966) ou a cessão de acervo patrimonial da empresa para estados ou municípios (Decreto Federal nº 62.630, de 30 de abril de 1968), eliminando despesas com manutenção e segurança. Um dos problemas detectados é que não havia sincronismo de investimentos entre o Estado e a União para gerenciar gastos com obras destinadas ao transporte ferroviário. Exemplos: Enquanto a União inaugurava o sistema cremalheira-aderência na Serra do Mar (1974), o Estado construía a Via Imigrantes (inaugurada em 1976); enquanto a União apresentava planos para a modernização dos trens de subúrbio, o Estado construía uma linha de Metrô paralela ao sistema de subúrbio da linha da Central do Brasil, na zona leste de São Paulo. O transporte de carga foi também reduzido devido às mudanças tecnológicas adotadas pelas indústrias instaladas ao longo da linha férrea: muitas delas deixaram de operar com grandes estoques e passaram a necessitar maior agilidade nas entregas, para a qual a Rede Ferroviária não respondia, o que veio a interromper o tráfego dos inúmeros ramais ferroviários no interior das indústrias.

No ano de 1985, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República trouxe como diretriz a caracterização do transporte urbano como uma questão de política local, “tornando-o compatível com os anseios da comunidade” (Ferrovia, v. 53, n. 118, jan./fev. 1988, p. 26). A ação concreta da estadualização se deu com a aprovação da Lei Estadual nº 7.861, de 28 de maio de 1992, que criou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), marcando o início de um novo momento para o sistema de transporte ferroviário em São Paulo. A criação da CPTM possibilitou a integração entre as diversas modalidades de transporte de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo, integração operacional e física, resultando na melhoria do serviço prestado. Os investimentos realizados desde então envolveram a aquisição de novos vagões, ações de modernização da operação nas linhas leste da CBTU e sul da Fepasa, e, mais recentemente, a integração com as linhas de metrô e ônibus intermunicipais facilitando os deslocamentos na Região Metropolitana de São Paulo. Com referência à política nacional de transportes ferroviários, a década de 1990 foi marcada também pela inclusão da Rede Ferroviária Federal S/A no Programa Nacional de Desestatização e por estudos de liquidação desta empresa a partir da concessão de serviços de transporte de carga a empresas particulares e venda de equipamentos e imóveis que não apresentem interesse à operação da linha. Esta ação resultou no total abandono de edifícios e galpões ferroviários ao longo da linha férrea da antiga Santos- Jundiaí e a venda de equipamentos e terrenos.

Uma idéia do potencial do transporte ferroviário
Em 1996, a MRS Logística iniciou a operação do transporte de carga da malha ferroviária dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, responsabilizando-se pela modernização do sistema de transporte de carga na antiga Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí e tem apresentado estudos para ampliação da capacidade da estrada para diversificar e ampliar a quantidade de carga transportada, já que a capacidade da empresa está direcionada, principalmente, para o transporte de minério e produtos siderúrgicos. A viabilidade desta empresa põe à mostra a necessidade de investimentos de maior monta para valorização do transporte ferroviário, evidenciando os erros cometidos no passado no desmonte da malha ferroviária paulista e retomando o debate da implantação do anel ferroviário ao redor da região metropolitana de São Paulo que há mais de cinqüenta anos foram desenvolvidos, pondo fim ao conflito entre o transporte de passageiros e de carga pelo antigo leito da ferrovia, entre os municípios de Rio Grande da Serra e Francisco Morato.
A ampliação de carga apresentada pela MRS Logística concebeu a implantação de uma correia transportadora de longa distância para o transporte de minério de ferro que, se de um lado, ampliará a capacidade de carga no trecho da serra aliviando o tráfego de caminhões entre o Porto de Santos e a capital paulista, ocupará o traçado do funicular da serra nova, patrimônio cultural reconhecido pelos órgãos de defesa do patrimônio nacional e estadual que em avançado estágio de degradação, estará totalmente esquecido para as futuras gerações.

Mário Nascimento
Graduando do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Paranabiacaba

Resumo baseado no texto “Paranapiacaba: história e modernidade no alto da Serra do Mar” da Profª Dra. Silvia Helena Passarelli

Do tupi-guarani, Paranapiacaba significa “ lugar de onde se avista o mar” ou “passagem estreita que leva ao mar”. No Estado de São Paulo, Paranapiacaba é também o nome de uma vila, sede do Distrito de mesmo nome, localizada no Município de Santo André. A vila de Paranapiacaba está localizada a cerca de 60 km da capital paulista e a 33 Km do centro de Santo André. Está situada no cume da Serra do Mar, no ponto mais alto do caminho de ferro, a “estrada do café”, construída na segunda metade do século XIX pelos ingleses, estrada que viabilizou o desenvolvimento econômico e social da então Província de São Paulo e, principalmente de sua capital e arredores. A história da vila tem total relação com a implantação e operação da estrada e com a política nacional de transporte.

Por Paranapiacaba, em trens a vapor, o Brasil ingressou na modernidade da vida urbana em contraposição à vida das fazendas, do trabalho assalariado, em substituição ao trabalho escravo; conheceu a precisão do tempo em minutos quebrados , que passaram a ser marcados por relógios ingleses e pela pontualidade das locomotivas que entravam e saiam das estações. A Estrada de Ferro Santos_Jundiaí, construída entre 1860 e 1867, pôs fim ao isolamento do planalto paulista, rompendo as dificuldades de transpor a grande inclinação da Serra do Mar, facilitando o transporte de mercadorias e o contato cultural e comercial com Europa através do Porto de Santos.

Paranaciacaba nasceu como um canteiro de obras, sem planejamento prévio de ocupação e casas construídas de pau-a-pique e sape se misturavam às máquinas e oficinas da estrada. No mesmo ano, atraído pelo grande número de operários que trabalhavam na construção da estrada de ferro, um grupo de comerciantes de Mogi das Cruzes chegou ao local e instalou pontos de comércio e pensões para abrigar os operários da estrada. Dessa forma, deram origem ao núcleo hoje conhecido pelo nome de Morro ou Parte Alta. Contrapondo com a precariedade das habitações, ao longo de toda a linha férrea, sólidos edifícios com base de pedra e alvenaria aparente, cobertos com telhas francesas, protegiam máquinas e vagões e equipamentos da estrada. A fixação da população no Alto da Serra, como os ingleses denominavam o local, não estava prevista nos projetos iniciais da via férrea, no entanto, o clima úmido dos trópicos e a necessidade de conter os constantes deslizamentos da Serra do Mar obrigaram a permanência de operários no local.

A duplicação da estrada de ferro
No final do século XIX, com o aumento da produção café, gerou-se a necessidade de duplicação da
linha férrea em toda a sua extensão. No trecho de Serra, foi implantado um novo sistema de tração, com cinco máquinas potentes que movimentavam cabos de aço contínuos para garantir o transporte de grandes volumes de carga com maior agilidade e precisão.

Ao longo de toda a linha férrea, ocorreu uma dinamização do sistema. Edifícios de tijolos e ferro com projetos padronizados desenvolvidos na Inglaterra, trouxeram um novo desenho para as cidades paulistas. O ferro trabalhado, o tijolo aparente e as telhas francesas passaram a fazer parte do gosto das classes mais abastadas. Mas, por trás dos ornamentos das edificações, a ferrovia trouxe também a pré-fabricação da construção, onde peças de ferro forjadas nos alto-fornos ingleses eram montadas em São Paulo. Assim um único projeto pode ser repetido em diferentes pontos ao longo da linha.

A nova estrutura urbana fixou, definitivamente, os operários no local, mas também trouxe um novo padrão de moradia: ao longo de ruas largas e retilíneas, casas térreas e germinadas construídas de madeira sobre base de pedra, traziam jardins frontais e recuos laterais, ampliando a perspectiva das ruas. A repetição de modelos, a pré-fabricação da construção civil e a adoção de técnicas de saneamento e higiene trouxeram para o planalto a origem do movimento moderno em arquitetura e urbanismo.

Por trás dos edifícios residenciais passagens estreitas permitiam a passagem das redes de saneamento, canalização de água e esgoto que inexistia em muitas das antigas cidades brasileiras. Rede elétrica e um sistema de proteção de incêndio também foram implantados no novo povoado, em conformidade com os padrões de infraestrutura e saneamentos adotados nas novas vilas industriais que surgiram no final do século XIX na Europa e Estados Unidos.

Até a década de 1940, foram construídas na vila ferroviária, cerca de 280 unidades residenciais de diferentes dimensões, todas em madeira e com área construída entre 40 e 140 m2, e ainda os equipamentos necessários para atender os moradores: escola, clube, área esportiva e mercado.

A primeira metade do século XX, a vila assistiu a uma grande efervescência de atividades. Os trens percorriam os trilhos com freqüência. Na estação, a parada obrigatória para a troca de máquinas e a descida da serra, artistas, intelectuais, empresários percorriam as plataformas da estação. A vila de Paranapiacaba pouco cresceu desde então. Apenas um conjunto de casas de alvenaria foi construído ao redor do campo de futebol e ao longo da Rua Rodrigues Alves no início dos anos 1950.

O fim do Dinamismo da Vila de Paranapiacaba
O dinamismo da Vila de Paranapiacaba, intimamente ligado com a vida da estrada de ferro, sofre uma interrupção com a valorização do uso do automóvel: a partir dos anos 1950 o Governo brasileiro investe recurso na abertura de rodovias e incentiva a produção de caminhões, veículos particulares e ônibus que passam a competir com o trem.

Mas, foi na década de 1970, que Parapiacaba perde sua principal função em nome da modernização do transporte ferroviário, um novo sistema de descida da serra foi implantado - o sistema cremalheira-aderência – que já não necessitava de grande número de operários para operar as máquinas suspensas ao longo de toda a serra. Uma Nova estação ferroviária foi construída para o terminal de subúrbio – com a modernidade do concreto e da alvenaria, no entanto, sem o conforto e a facilidade de acesso da antiga estação de madeira que, em 1981 foi totalmente destruída por um incêndio.

O fim das viagens de passageiros para Santos pelo sistema funicular, no inicio dos anos 1980, marca a aceleração do abandono da antiga vila de operários, agora totalmente desnecessária para o bom funcionamento do sistema ferroviário, que deixa de receber a necessária conservação das madeiras num local onde a umidade é freqüente.

Iniciativa de Preservação da Vila de Paranapiacaba
Ferroviários, estudiosos da ferrovia, moradores da Região do ABC e mídia local iniciam um intenso movimento pela preservação da Vila Ferroviária, destacando sua importância para a história do desenvolvimento econômico e social do Estado de São Paulo e para o resgate da tecnologia de transporte no Brasil.

Inúmeras ações são desencadeadas durante os últimos anos do século XX, resultando, de um lado, no tombamento da vila pela CONDEPHAAT, em 1987 e mais recentemente, pelo IPHAN (2002). Ao mesmo tempo, a vila atrai, a cada dia, novos visitantes, em busca de um passado mágico do trem ou de aventuras nas agruras da Serra do Mar e da Mata Atlântica.

Mário Nascimento
Graduando do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC)