terça-feira, 23 de março de 2010

De Santos a Jundiaí: a primeira ferrovia paulista

Publicado pela Profa. Dra. Silvia Helena Passarelli na Revista Eletrônica História e-História.

É inegável a importância da estrada de ferro Santos a Jundiaí , para o desenvolvimento de todo o Estado de São Paulo. Construída por uma empresa inglesa entre os anos de 1860 a 1867 e duplicada entre os anos de 1896 e 1901, foi a primeira via férrea paulista e realizou o grande feito de retirar o planalto paulista do isolamento ao vencer o desnível da Serra do Mar, inserindo, definitivamente, a província na modernidade.

Fatos Históricos
A principio existiam pequenos povoados isolados à beira dos caminhos, entre o planalto e a Serra do Mar. Paradas estratégicas para o descanso de tropas. Sítios e chácaras abasteciam a cidade e seus viajantes. Muitas vezes, os caminhos que ligavam o planalto ao local eram percorridos por tropas de muares ou mesmo a pé. Na região do ABC, por exemplo, conhecida no período colonial como” Borda do Campo” ,existiam apenas pequenos povoados ao longo de estradas. Havia a dificuldade física, uma barreira natural que tornava o acesso ao porto de Santos difícil. A implantação da primeira ferrovia em solo paulista.

Na segunda metade do século XIX, foi o impulso necessário para a alteração da paisagem do planalto. Com o início do Império, havia a necessidade de escoamento de mercadorias ao porto(Santos), e a integração nacional passou a ser prioridade. Poucos anos depois da primeira locomotiva percorrer o trecho, entre o centro fabril de Manchester a Liverpool na Inglaterra, o governo Imperial buscou um mecanismo para atrair investidores para a construção de estradas de ferro. São Paulo foi escolhida, e o trecho a ser percorrido partia de Santos, passando por São Paulo, e atingindo as vilas de São Carlos (Campinas), Constituição (Piracicaba) , Itu ou Porto Feliz, no interesse de atingir o cinturão de cultivo da cana de açúcar no interior paulista. Mas no ano de 1856, o Decreto Imperial número 1759, autorizou a incorporação de uma companhia fora do país para a construção e custeamento de uma estrada de ferro que partindo de Santos fosse até Jundiaí. O projeto da estrada de ferro, assinado por James Brurless, aponta, à exceção das proximidades de São Paulo e Santos, ausência de ocupação urbana ao longo do traçado original, que reduziria o gasto com desapropriações de terras. Mas, o mesmo cuidado não aconteceu com os ecossistemas que seriam afetados com a construção da estrada de ferro.

O projeto inicial da via férrea previu a instalação de estações intermediárias, que seriam estratégicas para a operação do sistema férreo no sentido de possibilitar o abastecimento das locomotivas com água e carvão. São elas: Cubatão, São Bernardo do Campo, Rio Grande da Serra, Água Branca e Estação Bethlem. Para as estações terminais Santos e Jundiaí, estava prevista a instalação de armazéns de mercadorias e para a estação de São Paulo, alem de armazéns, teriam as oficinas que passaria a fazer a manutenção das locomotivas e vagões.

Fase de Construção da Ferrovia
Além das dificuldades para superar a alta declividade da serra, as obras sofreram atrasos devido às fortes chuvas de verão, que provocaram constantes deslizamentos em todo trecho de Serra do Mar. Vale destacar a qualidade do projeto da via férrea que percorreu terrenos mais secos da várzea de rios e córregos, evitando as cheias do verão. Seu traçado, por exemplo, se afasta de várzea do Carmo (na região do atual parque D. Pedro I, em São Paulo) e da foz do córrego dos Meninos ( na altura do atual município de São Caetano do Sul), área que apresentava constante alagamentos de suas margens, não tendo sido verificadas interrupções de tráfego por enchentes nos relatos ministeriais referentes a obras públicas. Apesar da qualidade do projeto, por vezes as obras foram realizadas com qualidade inadequada, particularmente quando se tratava de galpões para oficinas ou estações intermediárias. Há referência de estações construídas em taipa nos registros dos engenheiros fiscais do Ministério de Agricultura e Obras Públicas. Registros fotográficos realizados por Militão Augusto de Azevedo , por volta de 1865, apresentam a precariedade de muitas edificações, particularmente as de uso habitacional nos canteiros de obras.

A primeira fase de operação da via férrea
A ferrovia foi entregue em 1868, “depois de verificar-se que a companhia havia construído todas as obras e satisfeito todas as obrigações que contraiu pelo acordo de 4 de dezembro de 1866” (Relatório apresentado à Assembléia /.../, 1869, p45) . Havia uma queda de braço entre o governo imperial brasileiro e a Companhia São Paulo Railway, que solicitava a revisão de novos investimentos na via férrea, apesar das exigências estabelecidas pelos engenheiros fiscais designados pelo Governo Imperial. Feito o acordo com a Companhia, foi acertado a construção de novas estações, entre elas, São Caetano e Barra Funda. Como a cidade de São Paulo apresentava um crescimento acelerado junto às linhas férreas. No ano de 1893, o intendente municipal relatava o surgimento de novos bairros entre eles Bom Retiro, Barra Funda, Cine-Theatro e Pari. Com esse crescimento da cidade de São Paulo, houve a necessidade da criação de novas linhas para “trens de subúrbios até a distância de 15 km da cidade”.

No final do século XIX, a expansão da rede ferroviária no estado de São Paulo atingia as regiões de Sorocaba, Itu, Campinas e Vale do Paraíba, fortalecendo o desenvolvimento da fronteira agrícola do Estado, e por conseqüência o aumento da demanda por transporte de produtos agrícolas para o porto de Santos.
A estrada de Ferro de São Paulo(São Paulo Railway) constituía um funil receptor de toda a produção do interior paulista e uma porta única de entrada das mercadorias importadas da Europa. Neste momento as cidades se transformavam e máquinas, materiais de construção e novos hábitos da vida urbana eram trazidas da Europa para as famílias mais abastadas.

Tudo isso gerou uma crise do sistema ferroviário paulista, pois a ferrovia Santos - Jundiaí não atendia à demanda crescente de transporte de mercadoria. “Tornou-se patente a falta de capacidade da linha inglesa (Santos – Jundiaí), sobretudo no trecho da serra em que se acham estabelecidos os planos inclinados. Afim de debelar de uma vez por todas essa crise, que é natural de ano para ano, se agravou em conseqüência do fenomenal desenvolvimento de São Paulo e do Sul e Oeste de Minas Gerais, foram labrados os decretos números. 436f, 997 e 983, de junho de 1891, 5 e 8 de agosto de 1882, concedendo o prolongamento da EF Sorocabana, de S. João a Santos e da Paulista ao porto de S. Sebastião, com ramal em Santos”(Relatório apresentado ao vice- Presidente/.../,1892,Anexo, 2ª parte, p.29).

A duplicação da via férrea
Embora o Decreto Federal 1999 de 1895, determinasse a adoção de um sistema ordinário de simples aderência para o trecho de serra, estudos desenvolvidos pelo Engenheiro James Madeley (1896), da São Paulo Railway, propuseram a instalação de um novo sistema funicular na serra, por ser a solução econômica mais viável, que foi aprovado pelo Governo Federal em setembro de 1896. As obras de duplicação da ferrovia foram terminadas em 1901, possibilitando a melhoria do transporte ferroviário, tanto para a importação e exportação de mercadorias, como para o transporte de passageiros de curta distância ou de subúrbio.

A encampação da linha e a degradação do sistema férreo
Os motivos para encampação: a lentidão da companhia inglesa em modernizar sua linha com adoção da eletricidade domo força motriz, que desde a década de 1920 era utilizado por outras companhias, e o fim do prazo de privilégios, fez com que o Governo Federal encampasse a estrada de ferro Santos - Jundiaí.
Iniciou-se, então, um novo período da história da primeira ferrovia paulista. Período que se marcou não apenas por uma nova administração da estrada, mas também pela competição direta com o transporte rodoviário, que teve sua rede expandida para todos os lados, inclusive com abertura de rodovias modernas paralelas às vias férreas, como as rodovias Dutra, Anhanguera e Anchieta, implantadas no fim dos anos 1940, início dos 50, servindo a mesma área da Central do Brasil, Companhia Paulista e Santos - Jundiaí, respectivamente. Entre elas, a Via Anchieta foi responsável pelo fim do monopólio da estrada de ferro na ligação com o porto e, ao mesmo tempo, pelo fortalecimento da implantação de indústrias, em geral montadoras de automóveis, fora do eixo atendido pela estrada de ferro.

O investimento em infra-estrutura e a manutenção do material fixo eram exclusivos do Estado, no caso da implantação da malha rodoviária. Enquanto os empresários arcavam com os custos de implantação, operação e manutenção de todo o sistema ferroviário. A nova administração da Estrada de Ferro Santos - Jundiaí procurou se adequar aos novos tempos, investindo na melhoria do atendimento e na modernização do sistema: em 1947, adaptou as antigas locomotivas a vapor para o uso de óleo diesel, substituindo o uso do carvão e da lenha e, em 1948, iniciou a construção de um oleoduto entre Alemoa (Santos) e Utinga (em São Caetano do Sul). A eletrificação da linha ocorreu logo após a Segunda Guerra, ainda sob administração dos ingleses: em 1944, foi aprovado o plano de eletrificação da linha apresentado pela São Paulo Railway Co. (Decreto Federal nº 7.221, de 30 de dezembro de 1944), sendo autorizada a eletrificação do trecho entre Jundiaí e Mooca em julho de 1946, de modo a dar continuidade ao trecho da Companhia Paulista que já se utilizava da eletricidade. Essa melhoria tecnológica veio a melhorar a oferta de transporte suburbano, especialmente, entre as estações de Santo André e Pirituba.

A crise final
No ano de 1957 a administração do sistema ferroviário nacional foi unificada em uma única empresa a Rede Ferroviária Federal S/A. No entanto, esta unificação não trouxe benefícios diretos à Santos – Jundiaí, ao contrário, reduziu os recursos para melhoramentos da estrada uma vez que todas as estradas de ferro da União passaram a ser administradas por uma única empresa de capital misto, subordinada ao Ministério dos Transportes. O transporte ferroviário passou a ser administrado, então, com grandes déficits e dificuldades em investir em melhoramentos tecnológicos. Sem investimentos em modernização e correndo atrás do prejuízo no que se refere ao atendimento da demanda, a ferrovia foi perdendo mais espaço para as rodovias, os trens perderam espaço para os caminhões, ônibus e automóveis e, mais recentemente, para o Metrô.
Ao mesmo tempo, interessava à política econômica nacional e também internacional o estimulo ao desenvolvimento do transporte rodoviário.

Inúmeras foram as tentativas de soerguimento da empresa ferroviária a partir dos anos de 1960 com a erradicação de ramais anti-econômicos (Decreto Federal nº 58.341, de 3 de maio de 1966) ou a cessão de acervo patrimonial da empresa para estados ou municípios (Decreto Federal nº 62.630, de 30 de abril de 1968), eliminando despesas com manutenção e segurança. Um dos problemas detectados é que não havia sincronismo de investimentos entre o Estado e a União para gerenciar gastos com obras destinadas ao transporte ferroviário. Exemplos: Enquanto a União inaugurava o sistema cremalheira-aderência na Serra do Mar (1974), o Estado construía a Via Imigrantes (inaugurada em 1976); enquanto a União apresentava planos para a modernização dos trens de subúrbio, o Estado construía uma linha de Metrô paralela ao sistema de subúrbio da linha da Central do Brasil, na zona leste de São Paulo. O transporte de carga foi também reduzido devido às mudanças tecnológicas adotadas pelas indústrias instaladas ao longo da linha férrea: muitas delas deixaram de operar com grandes estoques e passaram a necessitar maior agilidade nas entregas, para a qual a Rede Ferroviária não respondia, o que veio a interromper o tráfego dos inúmeros ramais ferroviários no interior das indústrias.

No ano de 1985, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República trouxe como diretriz a caracterização do transporte urbano como uma questão de política local, “tornando-o compatível com os anseios da comunidade” (Ferrovia, v. 53, n. 118, jan./fev. 1988, p. 26). A ação concreta da estadualização se deu com a aprovação da Lei Estadual nº 7.861, de 28 de maio de 1992, que criou a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), marcando o início de um novo momento para o sistema de transporte ferroviário em São Paulo. A criação da CPTM possibilitou a integração entre as diversas modalidades de transporte de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo, integração operacional e física, resultando na melhoria do serviço prestado. Os investimentos realizados desde então envolveram a aquisição de novos vagões, ações de modernização da operação nas linhas leste da CBTU e sul da Fepasa, e, mais recentemente, a integração com as linhas de metrô e ônibus intermunicipais facilitando os deslocamentos na Região Metropolitana de São Paulo. Com referência à política nacional de transportes ferroviários, a década de 1990 foi marcada também pela inclusão da Rede Ferroviária Federal S/A no Programa Nacional de Desestatização e por estudos de liquidação desta empresa a partir da concessão de serviços de transporte de carga a empresas particulares e venda de equipamentos e imóveis que não apresentem interesse à operação da linha. Esta ação resultou no total abandono de edifícios e galpões ferroviários ao longo da linha férrea da antiga Santos- Jundiaí e a venda de equipamentos e terrenos.

Uma idéia do potencial do transporte ferroviário
Em 1996, a MRS Logística iniciou a operação do transporte de carga da malha ferroviária dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, responsabilizando-se pela modernização do sistema de transporte de carga na antiga Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí e tem apresentado estudos para ampliação da capacidade da estrada para diversificar e ampliar a quantidade de carga transportada, já que a capacidade da empresa está direcionada, principalmente, para o transporte de minério e produtos siderúrgicos. A viabilidade desta empresa põe à mostra a necessidade de investimentos de maior monta para valorização do transporte ferroviário, evidenciando os erros cometidos no passado no desmonte da malha ferroviária paulista e retomando o debate da implantação do anel ferroviário ao redor da região metropolitana de São Paulo que há mais de cinqüenta anos foram desenvolvidos, pondo fim ao conflito entre o transporte de passageiros e de carga pelo antigo leito da ferrovia, entre os municípios de Rio Grande da Serra e Francisco Morato.
A ampliação de carga apresentada pela MRS Logística concebeu a implantação de uma correia transportadora de longa distância para o transporte de minério de ferro que, se de um lado, ampliará a capacidade de carga no trecho da serra aliviando o tráfego de caminhões entre o Porto de Santos e a capital paulista, ocupará o traçado do funicular da serra nova, patrimônio cultural reconhecido pelos órgãos de defesa do patrimônio nacional e estadual que em avançado estágio de degradação, estará totalmente esquecido para as futuras gerações.

Mário Nascimento
Graduando do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC)

Nenhum comentário:

Postar um comentário